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terça-feira, 9 de outubro de 2018

Como pregar a Lei de Deus sem ser legalista


O Antigo Testamento está repleto de leis. Ao todo são 613 estatutos dados por Deus ao povo de Israel. A Bíblia que usamos incluem esses estatutos nos quais é revelada a vontade do Senhor à vida do seu povo. Diante disso, vejamos como devemos lidar com a pregação da lei de Deus.

A LEI É APLICÁVEL À IGREJA DOS NOSSOS DIAS, OU FICOU RESTRITA AO POVO DO ANTIGO TESTAMENTO?

Precisamos nos lembrar de que as regras estipuladas no Antigo Testamento objetivavam orientar o povo de Deus em três aspectos: civil, cerimonial e moral. Alguns preceitos regeram as relações sociais do povo de Deus, outros o culto e seus sacrifícios, e ainda outros, as escolhas do povo.

O pregador deve ser capaz de fazer uma aplicação válida da lei de Deus aos seus contemporâneos. Nesse exercício há o risco de se aplicar diretamente a lei como se o contexto atual fosse o mesmo dos dias veterotestamentários, o que traria vários problemas.

Além da aplicação descontextualizada, o pregador corre o risco de se deter apenas na norma, na letra da lei, o que seria outro perigo. De que forma então devemos compreender a lei e aplica-la sem escorregar nesse erro?

Devemos entender que o relacionamento do povo de Deus precede a obediência. Ou seja, Deus elege seu povo e depois dá a lei para que seus eleitos vivam em santidade. Essa compreensão é fundamental para não fazer dos mandamentos do Antigo Testamento uma série de condições para o relacionamento de Deus com o seu povo.

A Bíblia nos mostra a precedência do relacionamento com Deus em relação à obediência da lei. Em Gênesis 1.27-28, pode-se perceber que Deus abençoa Adão e Eva antes de lhes dá exigências – de reproduzir e governar. A Noé e seus filhos é dada a bênção antes de lhes dar a ordem: “Abençoou Deus a Noé e a seus filhos e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra” (Gn. 9.1). O decálogo é precedido pela declaração da eleição de Israel: “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão" (Êx. 20.2ss). Dessa forma podemos afirmar que a condição para o relacionamento com Deus é a graça divina, e não a obediência.

A nossa pregação deve ser moldada por isso. Pois se pregamos que o crente deve obedecer para ser salvos invertemos a ordem das coisas e tornamos a nossa mensagem legalista. É a graça de Deus que conduz o seu povo na obediência dos seus mandamentos. Logo, a lei é para ser observada pelos salvos e não para a salvação.

COMO APLICAR A LEI NA PREGAÇÃO

O pregador deve pregar a lei como preceitos a serem observados pelo povo de Deus a fim de imitarem a Deus em seu procedimento, e não como condição de salvação. A lei retrata o legislador e a igreja deve conhecer o seu Senhor por meio dela. Conforme esclarece Kuruvilla (2017, p. 166): “A lei bíblica coerentemente requer que o povo de Yahweh seja como ele, pois descrições do seu caráter são a ‘revelação do padrão de santidade para o povo de Deus”. Portanto, a obediência à lei leva o povo de Deus a viver em santidade no mundo.

O alvo da lei é fazer com que aqueles que foram chamados por Deus manifestem as suas virtudes divinas no mundo. Como revela o texto de 1 Pe. 1.16: “... por que escrito está: Sede santos, porque eu sou santo” (cf. Lc. 11.44-45;19.2). Atentando para o que diz a lei o povo se torna conhecido pela santidade de Deus. Dessa forma a pregação da lei alcança seu objetivo.  

OBSERVAÇÕES ACERCA DA INTERPRETAÇÃO DA LEI

Estou consciente das divergências quanto à interpretação e aplicação da lei principalmente entre as escolas: Luteranas, Reformadas, Dispensacionalistas e a Nova Perspectiva de Paulo (NPP). Sugiro a leitura do livro “O Texto Primeiro”, de Abraham Kuruvilla para um maior aprofundamento acerca da interpretação da lei. O autor defende que toda a lei pode ser aplicável a igreja dos nossos dias. Sua proposta se baseia no argumento de que todo texto bíblico, incluindo as leis veterotestamentárias, revela o que é chamado de “mundo do texto” no qual é descrito a vontade eterna de Deus para o seu povo.

Portanto, naquilo que foi dito acima sobre a relação lei-eleição-obediência é preciso observar essa relação para que a lei do Senhor por cumprir o seu objetivo na igreja de Deus e esta testemunhe sua eleição no mundo através da obediência aos princípios fundamentais revelados por Deus ao seu povo de todos os tempos.

REFERÊNCIA:

KURUVILLA, Abraham. O Texto Primeiro. São Paulo: Cultura Cristã, 2017.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Exposição e aplicação da passagem bíblica



A pregação envolve basicamente a interpretação teológica de uma passagem bíblica e aplicação à vida dos ouvintes. A teologia deve ser estudada com o objetivo de levar as pessoas a se conformarem com o que Deus espera delas. Logo, uma exposição teológica é uma convocação à conformidade com a vontade de Deus. Essa conformidade é vista na ação da igreja em relação ao que foi dito na pregação.

O pregador deve ter o cuidado de não se limitar a demonstrar aspectos exegéticos e teológicos de um texto bíblico em sua pregação. Isso seria um grave erro, pois abandonaria o propósito máximo das Escrituras que é transformar vidas para que estas adorem fielmente a Deus através de Jesus Cristo. Isso seria o mesmo que um médico descrever a fórmula de um medicamento, contudo sem aplica-la ao doente. A cura só é possível se o remédio for aplicado de forma correta à vida do doente.

Ao expor as Escrituras o pregador adota dois passos: a exposição da teologia da passagem que vai pregar e como aquela teologia se aplica à vida dos seus ouvintes. Na primeira parte ele explica de que forma aquilo que está no texto bíblico revela algo do relacionamento de Deus com o seu povo. Por exemplo: ao pregar no texto de Tg. 1.22-25 percebemos que Deus deseja que os ouvintes de sua vontade busquem vivenciá-la (princípio teológico da passagem). Ou seja, é isso que o texto de Tiago ensina. No segundo momento, o pregador deve aplicar essa teologia à vida dos seus ouvintes.

A aplicação deve está fundamentada no texto bíblico. A Bíblia é a autoridade por trás das palavras do pregador. Sendo assim, quando o principio: Deus deseja que os ouvintes de sua vontade busquem vivenciá-la é aplicado, os ouvintes são levados a responder a uma série de questionamentos que o princípio levanta: temos ouvido e praticado a palavra de Deus? As minhas leituras da Bíblia tem resultado em ações práticas na minha vida? Que comportamentos tenho aprendido depois que ouço ou leio a Palavra de Deus? etc.

Diante do que foi dito acima, o percurso de toda pregação deve ser: separar um perícope para a pregação, expor a teologia da perícope e aplicar o princípio teológico à vida dos ouvintes. Através desse caminho o texto bíblico se torna a fonte da pregação e a autoridade por trás da aplicação do pregador. É importante observar que um estudo teológico superficial prejudicará a interpretação da passagem e, consequentemente, a sua aplicação à vida das pessoas. Para não se enveredar por esse caminho o pregador deve antes de aplicar fazer uma boa interpretação do texto bíblico.

Como bem disse Weaver (1970, p. 211): “O retórico honesto, portanto, tem duas coisas em mente: uma visão de como as coisas devem ser ideal e eticamente e um consideração das circunstâncias especiais dos seus ouvintes. Ele tem responsabilidade em ambas”. Ou seja, ao pregar a palavra de Deus o pregador revela o ideal revelado por Deus em sua palavra. Kuruvilla (2017) chama isso de o “mundo do texto”, o mundo ideal no qual os pecadores precisam se conformar a fim de renovarem sua aliança com Deus. A exposição do mundo ideal de Deus se torna relevante aos ouvintes quando o pregador faz a devida aplicação do princípio às circunstâncias especiais dos seus ouvintes. Nesse caso o pregador terá que ter a sensibilidade para perceber os caminhos que tentam seduzir os seus ouvintes e tentar subverte-los por meio de sua mensagem.

Portanto, que a dedicação ao estudo teológico das Escrituras Sagradas nos leve à aplicação dos princípios eternos de Deus à vida dos ouvintes contemporâneos. Assim, cumpriremos o propósito da pregação bíblica e mostraremos aos nossos ouvintes o que Deus espera de todos que desejam ter a sua aliança com Ele renovada.

REFERÊNCIAS

WENHAM, Gordon J. Language is sermonic: Richard M. Weaver on the nature of rhetoric. Org. Richard L. Johannesen, Rennard Strickland e Ralph T. Eubanks. Louisiana: State University Press, 1970.

KURUVILLA, Abraham. O texto primeiro: uma hermenêutica teológica para a pregação. São Paulo: Cultura Cristã, 2017.